Loja de discos foi a pioneira das redes sociais na década de 70
As pessoas que foram assistir ao filme "A Rede Social" no ano passado podem ser perdoadas por achar que a ascensão de sites como o Facebook começou há apenas alguns anos. Mas para encontrar as verdadeiras origens das redes sociais você deve recuar para bem antes de 2004.
Uma rua em Berkeley, Califórnia, o epicentro da contracultura nos anos 1960 e 1970, pode muito bem ter sido o local de nascimento do fenômeno. Do lado de fora do que já foi uma loja de discos chamada Leopold's Records, o ex-cientista de computação Lee Felsenstein, em 1973, junto com colegas colocou um computador na loja, perto do mural de recados de músicos.
Eles haviam convidado as pessoas que passavam, em geral estudantes da Universidade da Califórnia, Berkeley, para entrar e digitar uma mensagem no computador. À época, era a primeira vez que alguém que não estudasse temas científicos foi convidada a se aproximar de um computador.
“Achamos que haveria uma resistência considerável à invasão de computadores no que, segundo pensávamos, era território da contracultura”, explicou Felsenstein. “Estávamos errados. As pessoas subiam as escadas, e tínhamos alguns segundos para lhes dizer, ‘você gostaria de usar o nosso mural de recados eletrônico, estamos usando um computador.’ E com a palavra computador os olhos deles se abriam, brilhavam, e eles diziam: ‘uau, posso usá-lo’?”
Logo a máquina estava sendo preenchida por mensagens, que iam de um poeta promovendo seus versos e músicos oferecendo serviços a discussões sobre o melhor local para comprar pães. O projeto, chamado Memória da Comunidade, sobreviveu por mais de uma década, instalando outros computadores na região de São Francisco. Mas só foi nos anos 1980 que um número considerável de pessoas aderiu à vida online.
A Well, outra comunidade californiana, era o resultado do casamento entre hippies e hackers, contracultura e cybercultura. Ela nasceu como resultado de um encontro entre Larry Brilliant, um médico que trabalhava para a Organização Mundial da Saúde (OMS), e Stewart Brand, criador da bíblia hippie dos anos 1960, o Catálogo do Mundo Inteiro.
Brilliant de algum modo articulou uma rede para lidar com crises quando um helicóptero que conduzia uma pesquisa da OMS no Himalaia precisou de um novo motor. Usando um dos primeiros computadores da Apple, oferecido por seu amigo Steve Jobs, ele conseguiu realizar possivelmente a primeira teleconferência online do mundo.
“Steve me deu um modem acústico”, ele explicou. "Nós fizemos a conexão e, de repente, tivemos uma doação de uma motor reserva da Aerospatiale, a Pan Am se ofereceu a levar a peça até Katmadu, a RAF se voluntariou para transportá-la sobre terra até o helicóptero, e 72 horas depois o motor estava no Nepal.”
Ele decidiu que essa poderia ser a base para um empreendimento, e quando ele levou a ideia a Stewart Brand, este concordou. Logo, o Catálogo do Mundo Inteiro virou a Well – o Link Eletrônico do Mundo Todo. “Aconteceu de sermos uns dos descobridores de coisas que foram o ponto de partida das que estão na internet”, diz Brand. “Você poderia começar algo assim com nada além de uma máquina arrendada, que pegamos do Larry, e um software ruim.”
A Well juntou hackers, hippies e escritores da região da Baía de San Francisco em conversas online que tratavam de temas que iam de tecnologia e política ao sentido da vida. Após se encontrarem online, eles acabavam organizando festas, um primeiro sinal de que os mundos real e virtual poderiam se fundir.
“Diferentemente do Facebook, nós nos conhecíamos online antes de nos conhecer cara a cara”, disse Howard Rheingold, escritor que cunhou o termo comunidade virtual e um membro influente da Well. “Muito da comunicação cara a cara se transformou em relações. As pessoas se encontravam e se casavam, casamentos foram rompidos, quando as pessoas adoeciam eram apoiadas, quando as pessoas estavam morrendo elas tinham ajuda.”
A Well teve ainda mais abrangência porque se tornou um ponto de encontro para os Deadheads, fãs da banda de rock Grateful Dead. Ela também deu a John Perry Barlow, um letrista da banda, e posteriormente criador da Electronic Frontier Foundation, sua primeira introdução a comunidades online.
“Encontrei um lugar onde pessoas de todo o planeta poderiam conversar 24 horas por dia”. E depois de passar 30 anos explorando comunidades virtuais, diz ele, nenhuma chegou perto da original. “O Facebook é mais um subúrbio global do que uma vila global”, diz ele. “E o que você diz no Twitter dura 20 minutos. Se Cristo tivesse ‘tuitado’ o sermão no morro, teria durado até o entardecer. Acho que a última (rede) que vi que realmente parecia que se tornaria uma coisa real foi o que havia na Well”.
Mas não foi só na Califórnia que a ideia de se encontrar e socializar online surgiu. Na Europa, a britânica Prestel e a francesa Minitel deram a milhões de usuários de telefone o primeiro sabor da comunicação online.
Em muitos outros lugares, o movimento Bulletin Board System (BBS, ou sistema de mural de avisos) se tornou um centro de intensa comunicação sobre variados temas para qualquer um que pudesse ter um computador pessoal e um modem conectado a ele.
Jason Scott, que quando adolescente era um usuário do BBS em White Plains, Nova York, no fim dos anos 1980, disse que era errada a ideia de que usuários do BBS eram desajustados que viviam suas vidas online: “O computador era um meio para um fim”, ele explicou. “Como as chamadas telefônicas de longa distância eram muito caras, os sistemas BBS eram muito locais. Você poderia se comunicar com outras pessoas, mandar mensagens, baixar arquivos, e inevitavelmente alguém diria ‘ei, vamos descer até a pizzaria’.” Ele ainda é amigo de algumas das pessoas que ele conheceu dessa forma há mais de 20 anos.
Como muitos usuários das primeiras redes, Jason Scott é um assíduo usuário das suas equivalentes modernas – seu gato Sockington é hoje o animal de estimação mais popular no Twitter. Mas os pioneiros não creem que a história tenha terminado. Felsenstein, que advoga ter começado com tudo, afirma que as redes sociais mudaram sua vida. Ele conheceu sua mulher online, e depois da Memória da Comunidade fez uma carreira em computação. “Veja”, diz ele, “há muito espaço para inovações. Não creio que o que estamos vendo é o melhor que poderia existir”.
Fonte: IG/BBC Brasil
Uma rua em Berkeley, Califórnia, o epicentro da contracultura nos anos 1960 e 1970, pode muito bem ter sido o local de nascimento do fenômeno. Do lado de fora do que já foi uma loja de discos chamada Leopold's Records, o ex-cientista de computação Lee Felsenstein, em 1973, junto com colegas colocou um computador na loja, perto do mural de recados de músicos.
Eles haviam convidado as pessoas que passavam, em geral estudantes da Universidade da Califórnia, Berkeley, para entrar e digitar uma mensagem no computador. À época, era a primeira vez que alguém que não estudasse temas científicos foi convidada a se aproximar de um computador.
“Achamos que haveria uma resistência considerável à invasão de computadores no que, segundo pensávamos, era território da contracultura”, explicou Felsenstein. “Estávamos errados. As pessoas subiam as escadas, e tínhamos alguns segundos para lhes dizer, ‘você gostaria de usar o nosso mural de recados eletrônico, estamos usando um computador.’ E com a palavra computador os olhos deles se abriam, brilhavam, e eles diziam: ‘uau, posso usá-lo’?”
Logo a máquina estava sendo preenchida por mensagens, que iam de um poeta promovendo seus versos e músicos oferecendo serviços a discussões sobre o melhor local para comprar pães. O projeto, chamado Memória da Comunidade, sobreviveu por mais de uma década, instalando outros computadores na região de São Francisco. Mas só foi nos anos 1980 que um número considerável de pessoas aderiu à vida online.
A Well, outra comunidade californiana, era o resultado do casamento entre hippies e hackers, contracultura e cybercultura. Ela nasceu como resultado de um encontro entre Larry Brilliant, um médico que trabalhava para a Organização Mundial da Saúde (OMS), e Stewart Brand, criador da bíblia hippie dos anos 1960, o Catálogo do Mundo Inteiro.
Brilliant de algum modo articulou uma rede para lidar com crises quando um helicóptero que conduzia uma pesquisa da OMS no Himalaia precisou de um novo motor. Usando um dos primeiros computadores da Apple, oferecido por seu amigo Steve Jobs, ele conseguiu realizar possivelmente a primeira teleconferência online do mundo.
“Steve me deu um modem acústico”, ele explicou. "Nós fizemos a conexão e, de repente, tivemos uma doação de uma motor reserva da Aerospatiale, a Pan Am se ofereceu a levar a peça até Katmadu, a RAF se voluntariou para transportá-la sobre terra até o helicóptero, e 72 horas depois o motor estava no Nepal.”
Ele decidiu que essa poderia ser a base para um empreendimento, e quando ele levou a ideia a Stewart Brand, este concordou. Logo, o Catálogo do Mundo Inteiro virou a Well – o Link Eletrônico do Mundo Todo. “Aconteceu de sermos uns dos descobridores de coisas que foram o ponto de partida das que estão na internet”, diz Brand. “Você poderia começar algo assim com nada além de uma máquina arrendada, que pegamos do Larry, e um software ruim.”
A Well juntou hackers, hippies e escritores da região da Baía de San Francisco em conversas online que tratavam de temas que iam de tecnologia e política ao sentido da vida. Após se encontrarem online, eles acabavam organizando festas, um primeiro sinal de que os mundos real e virtual poderiam se fundir.
“Diferentemente do Facebook, nós nos conhecíamos online antes de nos conhecer cara a cara”, disse Howard Rheingold, escritor que cunhou o termo comunidade virtual e um membro influente da Well. “Muito da comunicação cara a cara se transformou em relações. As pessoas se encontravam e se casavam, casamentos foram rompidos, quando as pessoas adoeciam eram apoiadas, quando as pessoas estavam morrendo elas tinham ajuda.”
A Well teve ainda mais abrangência porque se tornou um ponto de encontro para os Deadheads, fãs da banda de rock Grateful Dead. Ela também deu a John Perry Barlow, um letrista da banda, e posteriormente criador da Electronic Frontier Foundation, sua primeira introdução a comunidades online.
“Encontrei um lugar onde pessoas de todo o planeta poderiam conversar 24 horas por dia”. E depois de passar 30 anos explorando comunidades virtuais, diz ele, nenhuma chegou perto da original. “O Facebook é mais um subúrbio global do que uma vila global”, diz ele. “E o que você diz no Twitter dura 20 minutos. Se Cristo tivesse ‘tuitado’ o sermão no morro, teria durado até o entardecer. Acho que a última (rede) que vi que realmente parecia que se tornaria uma coisa real foi o que havia na Well”.
Mas não foi só na Califórnia que a ideia de se encontrar e socializar online surgiu. Na Europa, a britânica Prestel e a francesa Minitel deram a milhões de usuários de telefone o primeiro sabor da comunicação online.
Em muitos outros lugares, o movimento Bulletin Board System (BBS, ou sistema de mural de avisos) se tornou um centro de intensa comunicação sobre variados temas para qualquer um que pudesse ter um computador pessoal e um modem conectado a ele.
Jason Scott, que quando adolescente era um usuário do BBS em White Plains, Nova York, no fim dos anos 1980, disse que era errada a ideia de que usuários do BBS eram desajustados que viviam suas vidas online: “O computador era um meio para um fim”, ele explicou. “Como as chamadas telefônicas de longa distância eram muito caras, os sistemas BBS eram muito locais. Você poderia se comunicar com outras pessoas, mandar mensagens, baixar arquivos, e inevitavelmente alguém diria ‘ei, vamos descer até a pizzaria’.” Ele ainda é amigo de algumas das pessoas que ele conheceu dessa forma há mais de 20 anos.
Como muitos usuários das primeiras redes, Jason Scott é um assíduo usuário das suas equivalentes modernas – seu gato Sockington é hoje o animal de estimação mais popular no Twitter. Mas os pioneiros não creem que a história tenha terminado. Felsenstein, que advoga ter começado com tudo, afirma que as redes sociais mudaram sua vida. Ele conheceu sua mulher online, e depois da Memória da Comunidade fez uma carreira em computação. “Veja”, diz ele, “há muito espaço para inovações. Não creio que o que estamos vendo é o melhor que poderia existir”.
Fonte: IG/BBC Brasil
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